Quando um militante do movimento sem terra tomba em combate (entenda-se aí, que foi brutalmente assassinado pela polícia, exército ou mais comunmente por milícias particulares) sua família sai do sorteio e passa a ter garantido um pedaço de chão no próximo assentamento realizado com sucesso. O sangue dos que tombam deve trazer algum conforto para a sua família.
Quem já esteve próximo aos sem terra, já deve ter escutado o refrão “ocupar, resistir, produzir!“. Em tempos de crise ideológica, olho novamente para os sem-terra e procuro alguma luz no fim do túnel. Diferente de muitos movimentos sociais, eles não sucumbiram a escalada da esquerda ao poder. É bem possível que tenham lavado o chão com mais sangue que os operários da cidade nas últimas duas décadas. Os sindicados, que já estavam em franca decadência com a explosão do desemprego e o desgaste de sustentação via imposto sindical, agora se vêem calados com suas lideranças ocupando os altos escalões do governo federal. Muito complicado tudo isso, como deve ter sido difícil a ascenção e queda do partido trabalhista na Inglaterra…
Nessas horas, eu gostaria de ter a simplicidade e a honra de quem luta pela terra. Gostaria de cantar que “a cidade não mora mais em mim … vamos embora“. Enquanto ainda se cantava no fim dos 80 “Meus heróis morreram de overdose, os meus inimigos estão no poder“, havia um sinal claro de que era preciso reerguer bandeiras. Na verdade isso queria dizer terrivelmente que os políticos corriam o risco de serem confundidos como iguais em seus defeitos. Como se não houvesse esquerda e direita, como se não houvesse diferença de interesses, como se não houvessem lutas e conquistas.
Mas não foi assim. Os filhos dos militantes que lutaram durante a ditadura militar não se constituíram numa nova geração dos que lutaram pela justiça social em nosso país. Vejo o paradoxo de uma esquerda que não investiu em novos quadros, com seus velhos guerreiros pensando como Guimarães Rosa:
“Quando eu morrer, que me enterrem na beira do chapadão
contente com minha terra, cansado de tanta guerra
crescido de coração“
Meus pais e as pessoas que lutaram com eles aguerridamente até o fim da década de 80 não deixaram uma geração combatente para substituí-la. Meus colegas de geração não conheceram a repressão e a censura; vivem num mundo onde Che Guevara é uma estampa de camiseta e não uma inspiração revolucionária.
Ao ler o jornal, me dá a sensação de estar cansado de uma guerra que nem cheguei a lutar. Hoje, vou cuidar da minha família, que assim como o país, está doente e precisa de atenção.