Já faz um tempo que voltei a ter mais contato com a minha mãe. Um dia desses estive num almoço na casa dela, onde estavam presentes antigos amigos e amigas dela. Eu já conhecia quase todas as pessoas ali e conheci uma ou outra pessoa nova. Todas com histórias fantásticas para contar. Quase todas intimamente ligadas com a história recente da educação neste país. Pessoas com histórias de vida singulares, pessoas que fazem a gente acreditar que um mundo melhor é possível mesmo.
E lá estava a minha mãe servindo os convidados, aprontando algumas coisas na cozinha e coisa e tal. E de repente fiquei lá parado olhando tudo um pouco mais de longe. Parei para pensar o quanto da minha essência se deve à herança materna. O desejo pela justiça social, a vontade de ajudar ao próximo, esse desejo incontrolável de sonhar com um mundo melhor, de se aproximar de sonhadores como nós, de achar que é possível deixar nossa contribuição, ainda que pequena, para algo maior.
Hoje eu estava passando pela avenida antes de ir trabalhar e vi um grupo de pessoas protestando. Dia Internacional da Mulher…. fala sério. Nome errado! Se você viu no seu FaceBook um monte de mensagens de carinho e solidariedade à beleza feminina, você está seguindo as pessoas erradas! O nome certo é “Dia Internacional de Luta Pelos Direitos das Mulheres“. Faz uma certa diferença, não? Marília, me corrige para eu saber se estou anotando direitinho…. Então, eu cresci com reuniões em casa, com grupos de pessoas como aquelas na casa da minha mãe discutindo como fazer um mundo melhor. Pessoas que foram inúmeras vezes para a rua, que vão até hoje. Mesmo com seus 40, 50, 60 anos… continuam batalhando, acreditando, sofrendo e conquistando.
Há pessoas que realmente acreditam que hoje tudo piorou. Que estamos numa escalada para o apocalipse. Se esquecem das inúmeras conquistas. Mulheres antes não votavam. Mulher estuprada era mulher que provocava o homem… e por aí vai. Ainda estamos muito longe do que acreditamos como justo – a necessidade de ter um carro exclusivo para mulheres no trem é uma clara demonstração de como estamos longe. No entanto é preciso reconhecer os avanços conquistados por tantas mulheres que batalharam muito para chegarmos onde chegamos hoje. Se for para dar rosas, dê um livro de Rosa de Luxemburgo…. faça algo mais interessante do que transformar a data numa desculpa para o comércio vender mais. Hoje é dia de se lembrar daquelas que lutaram e daquelas que estão na frente de batalha até hoje.
Me lembro bem que aos nove anos, as atitudes machistas já me incomodavam dentro da escola. Demorou muito tempo até entender o que era feminismo e tantas outras coisas. Hoje sei que também não estou livre de algumas atitudes machistas que eu mesmo odeio em mim. Sei que tenho muito o que melhorar, sei que temos muito o que avançar! Mas sei que essa semente de revolta e de um otimismo em relação a um futuro possível nasceu do convívio com uma pessoa, de minha mãe. Hoje, com mais de 60 anos continua ativa e jamais entregou os pontos. Sei que muito mais que suas palavras, foram seus gestos e as ações de uma vida toda que me ensinaram tanto sobre o mundo e continuam a me ensinar. Sei que se ela não fosse uma pessoa tão especial como eu acredito que ela é, não estaria cercada de tantas pessoas diferentes e também fantásticas.
Assim, hoje eu me vejo reencontrando velhos amigos, e me vejo cercado de pessoas maravilhosas também. Vejo o carinho que recebo e como eu adoro e admiro estas pessoas. Acho que esta é a maior herança que alguém poderia desejar dos seus pais. Estar cercados de bons amigos. Pessoas que também acreditam em algo mais do que rosas no dia da mulher.
Obrigado mãe.