Missão padrasto

Eu tenho um filho com seus 20 anos agora. Mas antes de ser pai eu fui padrasto. Me casei por duas vezes e fui padrasto em ambas situações. Nunca gostei da expressão “enteado”, mas tecnicamente é isso que se diz do filho da mulher com quem você decide dividir o teto.

Ser um bom padrasto envolve suas especificidades, uma certa delicadeza que você tem que incorporar na sua vida. A primeira delas é a de que você não é o pai. Não vai substituir o pai. E não deve jamais ter esse tipo de raciocínio na cabeça. Como consequência, não cabe a você disciplinar, dar sermão, brigar, ralhar, e obviamente, bater. Se alguém tem que fazer isso é a mãe. Você pode é claro discutir algumas coisas com a mãe, num foro privado e com muito, mas muuuito tato. Eu sei, não sou a pessoa mais delicada e cuidadosa numa conversa. Mas se você ama a pessoa que está ao seu lado, você pensa (ou deveria pensar) mil vezes antes de dar pitaco em alguma coisa sobre a educação de um enteado. Faz uma observação sutil, vê se ela é bem recebida, pergunta o que ela acha e vai tateando aos poucos. A decisão de impor alguma regra, limite, conversar, etc com o enteado deve ser sempre da mãe. Você no máximo sugere alguma coisa. E sugere quando achar que isso é realmente relevante. Senão deixa pra lá. Conviver com gente significa conviver com coisas que você não gosta e tudo bem.

Se o seu enteado quiser ver o pai, você incentiva. Se o pai der o cano, esteja lá para amparar. Mas jamais faça críticas ao pai biológico, não interessa o que ele faça (a mãe pode criticar a vontade, se quiser, você não). Você não conviveu com o pai biológico. Você não precisa ser melhor que ele. Você só precisa estar lá. Estar lá com os dois pés no chão. E mais uma vez, você não quer substituir o papel do pai. Mas tem outras coisas que você pode fazer. Você pode apoiar seu enteado quando ele se interessar por alguma coisa. Você pode ensinar alguma coisa se ele demonstrar curiosidade com algo que você tem familiaridade. Mas tem uma regra importante aqui. Você não pode criar expectativas. Não pode impor sua vontade. Não pode achar que seu enteado tem que se interessar pelas coisas que você se interessa ou por aquilo que você considera importante para ele.

Um bom padrasto tem que ter um pouco mais de paciência. Tem que ouvir mais e falar menos. Um bom padrasto dá o exemplo ao invés de dar lição de moral. Dar o exemplo é muito mais importante, na verdade. Seu enteado sabe perfeitamente distinguir um discurso vazio, sabe perceber quando você está sendo incoerente. Melhor do que a gente mesmo é capaz de se perceber. Tentar ser um bom ser humaninho costuma funcionar melhor. Seja melhor, porque é importante ser. Não abane um cartaz mostrando que está fazendo uma boa ação, não faça propaganda cada vez que fizer um gesto generoso. Apenas faça. Seja uma pessoa melhor. Cuide de si mesmo melhor. Faça exercícios regularmente, leia, estude, faça coisas diferentes, aprenda coisas novas. Talvez alguma dessas coisas possa despertar a curiosidade do seu enteado. Talvez ele possa lhe acompanhar em alguma coisa. Ou não. Eu sempre quis que meu filho aprendesse a pedalar. Sempre sonhei em pedalar com meu filho, como eu pedalei com meu pai. Não rolou. Nenhuma das minhas EX pedalava comigo, nenhum dos meus enteados tão pouco. Isso não significa que o fato de eu gostar de pedalar não tenha uma influência positiva. Eles vão perceber que você volta mais feliz, que você fica mais disposto na época que pratica exercícios regularmente. E por aí vai. São referências positivas. Se você tiver um bom relacionamento com a mulher com quem decidiu dividir o mesmo teto, isso certamente terá um impacto incrível na vida do seu enteado. Não se trata apenas de tratar bem da mãe dele. Se trata de oferecer uma possibilidade de amor positiva. De poder ser algo bom. Boas referências fazem toda a diferença.

No final, ser um bom padrasto deve significar mesmo ser um bom pai. Um bom pai não deveria fazer uma série de coisas idiotas que a gente sabe que não deve fazer como padrasto. Não sei se sou um bom pai. Não faço esse tipo de pergunta para o meu filho. Muito menos para os enteados. Eu me preocupo? Pra caráleo! Eu faço um bom trabalho? Espero que sim. Possivelmente meu filho e meus enteados tem uma opiniões bem diferentes… mas a gente segue tentando, e isso não depende do relacionamento com a mãe deles terminar ou não. Filhos são para sempre. Enteados também.

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