Continuando minha sessão Flash Back, aqui vai um texto de fossa, escrito em 12/06/2001, antes de eu me casar.
Ontem na faculdade, enquanto sorvia um chocolate quente com canela eu escutava a conversa das pessoas da mesa ao lado…
Falavam sobre o sonho das crianças. Falavam sobre a crueldade que é dizer para uma criança que papai Noel não existe e o quanto é cruel a analise de que certas datas e mecanismos da sociedade não passam de mecanismos do mercado para reproduzir o Capital. Outras datas, como um aniversário de nascimento e aniversário de casamento, namoro etc seriam apenas símbolos e rituais criados pela nossa sociedade ocidental. O olhar sociológico e antropológico é sem dúvida cruel. Lembro-me em Ouro Preto, numa excursão no primeiro ano de faculdade onde em meio a toda a magia das igrejas barrocas, alguns colegas com um passado religioso mais intenso dizendo que a antropologia estava matando o seu Deus. A dor é ganhar este olhar científico contra a sensação subjectiva das coisas imateriais. Às vezes, parece que de tanto pensar, deixamos de sentir.
Enquanto alguns colegas estavam se dilacerando pela morte do Deus que eles veneraram por toda vida eu estava construindo um novo Deus, com base em pressupostos racionais mas guiado por uma necessidade espiritual de sonhar, acreditar e sentir. Não posso precisar como é esta minha religião, se é monoteísta ou politeísta ou coisa que o valha. Posso te dizer que é bonita, que é recheada de sentido e de paixão, que é preenchida por toda fé que possuo nas coisas vivas, no poder de criar e transformar o mundo, que se pauta pela solidariedade, fraternidade, amor e perdão. Talvez eu devesse voltar a pensar mais sobre isso e escrever, mas em meio a tantas idéias que me saltam aos olhos, deixo isso para depois.
Agora, escutando “Whith ou Whithout You” do U2, penso. Lembro-me da minha tradição, até os 22 anos de comemorar o dia dos namorados. Uma data sem dúvida criada para vender telefone celular e idas ao Motel. Eu dizia ao chegar em Diadema, que estava comemorando meu 22º dia dos namorados sozinho. Querendo ou não, por mais consciente que fosse, a data servia para lembrar do meu fracasso nos relacionamentos afetivos, de como eu não havia sido capaz de passar tempo suficiente com alguém para comemorar a data, por mais esdrúxula que ela possa parecer. As pessoas davam risada do meu jeito de ser, mas me retribuíam abraços solidários também. Parecia que alguns podiam enxergar na minha ironia o desespero e a beleza de se acreditar em algo mais que aventuras amorosas.
Depois do meu 22º dia dos namorados solitário, seguiram-se uns 6 meses negociação e de maturação de um amor muito bonito que me proporcionou 2 dias dos namorados acompanhado. E depois disso passar, no ano passado o dia dos namorados sozinho foi muito difícil. Outras paixões se seguiram, mas o dia dos namorados permanece solitário neste ano. Isto não devia ser motivo de sofrimento para ninguém. Mas é difícil e desesperador olhar para os anúncios espalhados pela cidade os programas especiais de televisão e rádio e tudo o mais lembrando do seu fracasso. Isso faz sentido quando lembramos que o natal é a data com maior índice de suicídio nas culturas ocidentais católicas. Aqueles que se encontram desamparados da família e dos amigos, muitas vezes não suportam o bombardeio provocado pelo natal e sucumbem a sugestão da singularidade da data que deveria se estender por todo o calendário.
Hoje, precisamente no dia 12 de junho, felicito os casais. Apenas aqueles que não comemoram o fato de estarem juntos, mas o fato que gostarem de estar juntos. É realmente algo para se comemorar, não? Ser capaz de suportar alguém que lhe invada a vida e a intimidade. Ser capaz de ser mais humano na companhia do outro. Isso é motivo de comemoração. Ser capaz de contribuir para a felicidade do próximo e ser feliz por isso é motivo de gozo. Não que amigos e parentes não compartilhem e não convivam, mas existe diferença palpável. Se fosse simples assim, se amar fosse algo universal e apenas fraternal, não sofreríamos tanto. Talvez tenhamos que ler o Mário de Andrade com mais atenção, quando ele diz que amar é um verbo intransitivo.
Mas não estou lamentando de todo o fato de não estar conjugando o verbo amar como gostaria. Comemoro o fato de me sentir sensível, comemoro o fato de querer bem pelo menos algumas pessoas. Comemoro o fato que ser lembrado pelos amigos. Comemoro o fato de poder dar e receber abraços sinceros. Comemoro o fato de ser humano, capaz de sentir, desejar, sonhar, compartilhar, transformar e ser transformado.
Queria que todos aqueles que não estão vivendo o dia dos namorados como sonham, que não deixem de sonhar. Que continuem acreditando em papai Noel, ao seu modo. Que não deixassem a fantasia de lado. Guardem a fantasia, pois sempre haverá dia de carnaval. Porém é preciso viver o presente, como a realidade se impõe. E na realidade é preciso abstrair a beleza presente nas coisas que o Deus de cada um oferta todos os dias. Os amigos próximos e distantes, o caminho construído, o nascer do sol, a areia da praia, as águas dos rios, os raios de sol na pele, um abraço, uma cerveja, um bom papo, uma vida de se descortina em cada segundo da nossa vida.
E como sempre, felicito a todos para quem escrevo por existirem e darem significados muito especiais a minha vida. Felicito os que estão próximos e distantes. Abraços aos que continuam vivendo e aos que sobrevivem na memória, amo a todos que passaram, estão presentes e aos que virão. Que este dia, como todos os dias da nossa vida e quiçá, depois dela, seja tempo de amar ao próximo e amar a si mesmo.
Feliz dia dos namorados para todos, deixem as analises político-econômico-pscico-social-antropológica-pedagógica-ideológica-científica de lado por um tempo e vivam a beleza da vida que nos rodeia. Afinal a ciência que nada mais é a arte de estudar o passado e planejar o futuro não pode fazer com que possamos sentir o presente.