Eu sabia que não seria um dia tranquilo. Estava no meio da tarde quando comecei a ouvir o barulho dos tiros na avenida logo atrás de mim. Algumas pessoas comentaram radiantes como finalmente alguém agia com firmeza contra aqueles baderneiros. Ocorre que aqueles baderneiros eram professores. Não podia acreditar que, no ano 2000, um governador que se acreditava mais ponderado, aprovasse o uso da cavalaria dessa forma. Por pouco minha mãe não estava lá. Sim, eu sei como ela dedicou e dedica até hoje sua vida à luta por uma educação melhor. Aquele lema antigo, como era? Por uma educação pública, gratuita, laica, com acesso universal, permanência, qualidade… Parece tão distante!
No final, todos dizem que são a favor da educação. Mas quem estuda financiamento de educação sabe que há uma conta que não fecha. A escola pública de qualidade antes era oferecida para um número muito reduzido de pessoas. Era a boa escola pública criada para pessoas de bem e de bens. Quando saímos da ditadura militar, a luta pela universalização do acesso na década de 80 tem um grande êxito. Só tem um problema: o orçamento para a educação não acompanhou o crescimento do número de estudantes. Na década de 90, vemos, claramente, o custo por aluno caindo vertiginosamente. De repente o problema da educação é uma questão técnica, saber investir e administrar melhor os recursos existentes. A questão do custo por aluno passa a ser sistematicamente omitida. Os professores da rede pública passaram vários anos praticamente sem aumento. Com os salários achatados, muita gente foi procurar outras formas de ganhar o pão de cada dia. Não só eu, mas um turbilhão de gente abandonou a educação. Ser professor deixou de ser algo digno. O professor deixou de ser alguém valorizado e respeitado. Frases como “professora não ganha mal, professora é mal casada” eram e continuam famosas. Assim, assistimos ao sucateamento da educação esperando o horário da novela…
A verdade é que educação não é prioridade. Deseja-se que o outro seja mais educado, mas poucos estão dispostos a investir nisso. Educação não dá voto. Construir escolas grandes e vistosas sim, mas pagar bem ao professor e manter uma boa escola funcionando, não. O resultado é que ninguém se comove. Não vou aqui discorrer sobre a miséria dos sindicatos no Brasil. Depois que Getúlio Vargas deixou a herança maldita do imposto sindical, encontrar sindicatos combativos não é fácil. Mas essa moda de mandar a tropa de choque bater em professor parece nunca se esgotar. Se o professor pode apanhar em frente às câmeras de TV, o que não poderá ocorrer em sala de aula. Essa tática de cercar manifestantes e fazer matéria na TV sobre como os professores estavam atrapalhando o trânsito já é manjada há muito tempo. Mesmo com a internet à nossa mão, a maioria não vê a covardia da polícia. Não me interessa se a greve parece abusiva, se há professores exaltados. Não se bate no seu semelhante dessa forma. A vida deve valer mais. Não me interessa se é um professor, um estudante ou qual grupo está pedindo isso ou aquilo. Não se mira diretamente contra uma multidão e aperta o gatilho. Não se usa bomba de gás lacrimogênio, não se coloca policiais nas portas dos hospitais para impedir que os manifestantes feridos sejam atendidos, não se cercam todas as rotas de fuga dos manifestantes mandando a tropa para cima.
E sim, tem gente que aplaude… e acha que precisamos de mais segurança. Não sei como essas pessoas conseguem dormir tranquilas. Ou pior, às vezes até sei. Claro que a conexão direta entre educação e violência não é bem assim. Longa história. No entanto, o exemplo que damos para nossos filhos é bem claro, não? E vemos professores do ensino fundamental ao superior apanhando da polícia todos os anos. Ontem não foi a primeira vez… Quando será a última?