Sobre se apaixonar por uma mulher foda!

Eis que num arroubo eu digo:

– Eu acho você uma mulher do caralho!

E ela vira e me responde:

– Como assim? Desde quando eu preciso de um caralho pra ser alguém? Isso me parece um tanto falocêntrico… não poderia ser uma mulher da buceta?

Caracoles, ela tem razão! Até pra fazer um elogio a gente acaba sendo machista no meio do caminho. Aí fico tentando pensar em como remendar isso, lembrei que alguém já fez isso antes. Tem uma série de vídeos da Rita Von Hunty chamada “Mulheres Foda!” (que eu recomendo muito por sinal), aí cravei:

– Realmente, na verdade, eu acho você uma mulher foda!

Logo ela me diz:

– Mas eu sou apenas uma pessoinha…

Uma das primeiras coisas que você vai perceber em uma mulher realmente foda, é que ela, assim como na ética hacker, talvez não se reconheça assim. Provavelmente ela lhe fará rapidamente uma lista de mulheres que ela crê mais merecedoras para uma designação dessa envergadura. Há pessoas que fazem coisas incríveis, e não acham que estão fazendo nada de extraordinário. Elas apenas acreditam que estão seguindo seus instintos, fazendo o que deve ser feito, o que qualquer pessoa deveria fazer.

Se apaixonar por uma mulher foda é uma experiência difícil de narrar. A gente se acostuma com músicas e histórias de uma admiração por uma beleza, por um cuidar, por uma abnegação. E quase tudo que você está acostumado a assobiar quando está feliz, tem alguma coisa fora do lugar. O poeta dizia “você tem que vir comigo em meu caminho e talvez o meu caminho seja triste pra você”. Aqui, meu caro, o rolê é outro. Você não é o centro do universo. Ninguém é o centro do universo de ninguém. Ninguém está lá para lhe servir, para cuidar de você ou ser seu suporte para você conquistar o mundo lá fora enquanto ela lhe espera com os chinelos na mão e a janta pronta quando você voltar. Ainda há quem espera trocar o cordão umbilical com a mãe por algo semelhante nos seus relacionamentos. Convenhamos que parece um lugar muito confortável para se estar… ao mesmo tempo, parece uma relação um tanto desequilibrada, não acha? Não se trata de imaginar uma relação desprovida de afeto, de carinho, de cuidado, mas de qual é o papel de cada um na relação, sobre o que você acredita e sobre tudo, sobre aquilo que você faz, nas pequenas ações, no nosso privilégio, na nossa sociedade.

E pode ser libertador, não? Você não tem que se apaixonar por um comercial de margarina. Você não precisa se limitar a adornar uma casca, uma ideia de juventude, de glamour ou família. Você pode se aventurar por histórias, lutas, dores, raiva. Uma mulher foda, tem em seu corpo a marcas que a vida deixou no caminho. Tem um questionamento constante entre o ato e o discurso, uma busca pelo que é justo, por aquilo que agrega. Uma mulher foda convive com outras mulheres foda. Mulheres foda tem uma vida com compromissos, projetos, ideias, ação. O tempo na sua vida é dividido entre muitas dimensões: o trabalho, a família, os amigos, os projetos, o lazer, etc. O tempo de qualidade é sem dúvida algo a ser valorizado e saboreado. É não esperar por juras de amor, é sobre sentir um abraço mais forte. É sobre respeitar o tempo do outro e sentir que o tempo em que estão juntos faz, sim, tudo fazer sentido. É entender que confiança se constrói lentamente, que uma relação se constrói dia-a-dia e não com arroubos e demonstrações isoladas e pirotécnicas de afeto.

Se envolver com uma mulher foda pode ser um tanto intimidador. Não estou falando daquele papo barato de que homem não gosta de mulher independente, realizada, bem sucedida, etc. Realmente, há quem não consiga lidar com a ideia de estar com uma mulher sem se sentir o centro do seu universo. Só posso lamentar. Sim, ainda existe essa coisa precisa se sentir superior para poder “gostar” de alguém. Triste. O que eu acho intimidador, não é o fato dela ter um círculo de amizades incrível, de ter lido muito mais que você, de ter ideias que lhe desconstroem num piscar de olhos. A questão é que você precisa ser um homem forte. E forte aqui pode ter um significado bem específico. A minha sensação é de estar numa tempestade em alto mar. Aquela segurança some, mesmo sabendo que de fato ela nunca existiu. Ser forte para reconhecer seus erros, suas imperfeições, fracassos e misérias. Ser forte para perceber que ainda erra. Tentar mudar. Tentar ser uma pessoinha melhor. Errar é perfeitamente admissível. Insistir, não reconhecer os próprios erros e não tomar atitudes concretas para melhorar, não. E sair desse lugar é beeem complicado. Ao se deparar com o abismo de si, como se reconciliar consigo? Aí entra o autocuidado. Sair do papel de homem viril e protetor. Da pessoa que vai “cuidar” e “proteger” a mulher, para se admitir frágil e ir cuidar das suas questões internas, enfrentar aqueles dragões enormes dentro de si. Gente, pensa em algo assustador. Num minuto você se acha o cara vivido, que já conquistou isso e aquilo, que já fez, já viveu, já construiu, para ser alguém que ainda tem uma estrada enorme e desafiadora pela frente. E a mulher foda, meu caro… já está nessa caminhada faz tempo. Está lá enfrentando seus demônios, seus traumas, as violências sofridas nesse mundo tão inóspito para aquelas que ousam remar contra a maré. E você, onde está?

Se relacionar com uma mulher foda é saber dialogar, é ouvir. É se interessar pelo seu universo. É querer conhecer e descobrir novos pontos de vista. Implodir qualquer tipo de pedestal e buscar o equilíbrio, a simetria, medir o mundo com outra régua. É sobre como você lê o mundo, lê a si, lê o outro. É sobre como escrever melhor daqui para frente.

Nessa história toda, às vezes me sinto foda também. Me sinto digno. Sinto estar lidando com algo real, não com uma fantasia, com uma projeção de felicidade tão vã como a felicidade de comprar uma geladeira nova. É tempo de viver, de ser, de estudar, de crescer. Estou aqui todo revirado nessa história. Revendo os sonhos, as projeções e idealizações de felicidade, para tentar viver algo sustentável, algo pleno. Pode ser que tudo isso se acabe logo, como todo relacionamento pode de fato durar o tempo que tiver que durar. De qualquer forma, mesmo com o sacolejar do navio nessa viajem, jamais vou poder esquecer que estou tento a oportunidade de ser uma pessoinha melhor, de crescer na direção de algo que me apazígua como ser humano. De viver algo que me emociona, de trazer, enfim, poesia na vida.

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